O Engano do Pecado
Vivemos numa época em que bem pouca ênfase é dada aos padrões da lei
de Deus e ao exemplo moral de Cristo. Seria aconselhável ouvirmos mais sobre
essas coisas. Contudo, muito mais se faz mister para produzir um senso de
pecado do que meramente frisar padrões. Pois, o pecado mesmo, que, conforme
vimos, foi personalizado por Paulo como um enganador e assassino dos homens,
tem sob o seu comando aquilo que só poderia ser chamado de um tipo de
inteligência anti-racional, a qual opera em nosso interior, usando fantasias,
ilusões, irrealidades de todo o tipo, falsas aspirações, racionalização,
distrações e muitos outros anestésicos da mente. O pecado tem um duplo alvo:
remover as barreiras que se levantam contra a impiedade, que destrói o
indivíduo, e ergue obstáculos contra o arrependimento (o qual não consiste em
mera tristeza diante do erro praticado, mas num verdadeiro abandono das
práticas erradas).
O pecado nos seduz tanto para o erro quanto para a confortante
conclusão de que espiritualmente tudo está bem conosco. O método usado pelo
pecado é o engano. Paulo alude às “concupiscências do engano” (Ef 4.22), às
quais precisamos renunciar. Ele lembra aos seus leitores que os nossos desejos
pecaminosos apresentam-se diante de nós caiados de branco, ou disfarçados como
se fossem a coisa certa a fazer, assegurando-nos que podemos livremente
satisfazê-los e tudo estará bem. O trecho de Hebreus 3.13 adverte os crentes
para que não se deixem endurecer “pelo engano do pecado”, o qual procura
enevoar as nossas mentes sobre as questões da eternidade — em particular, neste
contexto, a necessidade de persistência na fé, como o caminho para a glória
final, o que os pressionados e perplexos crentes hebreus estavam sendo tentados
a esquecer.
A técnica enganadora do pecado é multiforme. As tentações exploram
tanto as debilidades como os pontos fortes de nosso temperamento, por isso
Paulo escreveu: “Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia” (1 Co
10.12). O pecado pode embaralhar nossas mentes numa situação ética de natureza
diabólica, mediante a qual concluímos que, sem importar o que seja apropriado
em outras situações e para outras pessoas, as circunstâncias justificam o que
queremos fazer no momento. Além disso, o pecado pode paralisar nossas mentes,
cativando-nos mediante as esplêndidas perspectivas daquilo que está diante de
nós, ao ponto de a razão e a consciência não conseguirem dar qualquer palavra
de advertência a elas. (Depois, com bastante razão, diremos: “Eu não tinha
pensado nisso”.) Os pecados de exploração do próximo, de manipulação de
sistemas, de fuga da responsabilidade, de retenção da benevolência e de cultivo
de ressentimentos resultam regularmente de mentes que estão embaralhadas. Os
pecados sexuais, a ambição e a violência refletem, de forma geral, uma
mentalidade temporariamente desviada: condições para as quais o álcool, as
drogas e a exaustão podem contribuir desastrosamente, O diagnóstico de Tiago
serve para tais casos: “Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta
o atrai e seduz. Então a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado;
e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg. 1.14, 15).
O endurecimento (cf. Ef 4. 18, 19; 1 Tim. 4.2) é o processo mediante o
qual a pessoa deixa de estar consciente do mal que está praticando, por
atitudes de orgulho, de impiedade, de desamor, de ódio, de brutalidade, de
desprezo, ou por qualquer outra coisa que esteja praticando. O hábito produz o
endurecimento, e o endurecimento, visto que destrói o senso de pecado, elimina
a possibilidade de arrependimento. Precisamos dar-nos conta do fato que o
pecado atua incansavelmente em nós, com o intuito de produzir seus horrorosos
efeitos o tempo todo. Também precisamos entender que somente a graça divina é
capaz de vencê-lo. Os salmistas oraram para que pela graça lhes fosse dado o
conhecimento de seu pecado, para que pela graça pudessem abandoná-lo.
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus
pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”
(Sl 139.23, 24). Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são
ocultos. Também da soberba guarda o teu servo, para que se não assenhorie de
mim. Então serei sincero, e ficarei limpo de grande transgressão. Sejam
agradáveis as palavras da minha boca e a meditação do meu coração perante a tua
face, SENHOR, Rocha minha e Redentor meu! (Salmos 19:12-14). Desvia de mim
o caminho da falsidade, e concede-me piedosamente a tua lei. (Salmos
119:29). Faríamos bem em tornar nossas essas orações dos salmistas.
Fonte: Vocábulos de Deus
Autor: J. I. Packer
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